quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Os dois bonitos e os dois feios


Nunca se sabe direito a razão de um amor. Contudo, a mais freqüente é a beleza. Quero dizer, o costume é os feios amarem os belos e os belos se deixarem amar. Mas acontece que às vezes o bonito ama o bonito e o feio o feio, e tudo parece estar certo e segundo a vontade de Deus, mas é um engano. Pois o que se faz num caso é apurar a feiúra e no outro apurar a boniteza, o que não está certo, porque Deus Nosso Senhor não gosta de exageros; se Ele fez tanta variedade de homens e mulheres neste mundo é justamente para haver mistura e dosagem e não se abusar demais em sentido nenhum. Por isso também é pecado apurar muito a raça, branco só querendo branco e gente de cor só querendo os da sua igualha – pois para que Deus os teria feito tão diferentes, se não fora para possibilitar as infinitas variedades das suas combinações?

O caso que vou conta é um exemplo: trata de dois feios e dois bonitos que se amavam cada um com o seu igual. E, se os dois belos se estimavam, os feios se amavam muito, quero dizer, o feio adorava a feia, como se ela é que fosse a linda. A feia, embalada com tanto amor, ficava numa ilusão de beleza e quase bela se sentia, porque na verdade a única coisa que nos torna bonitos aos nosso olhos é nos espelharmos nos olhos de quem nos ame.

QUEIROZ, Rachel de. Os dois bonitos e os dois feios. In: As cem melhores crônicas brasileiras. Org. Joaquim Ferreira dos Santos. Rio de janeiro:Objetiva, 2007.

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